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Os atletas da delegação de Cuba usam internet na Vila do Pan Foto: Gazeta Press |
A Revolução de 1959 foi gestada por Fidel Castro no México. Antes de partir
com destino a Cuba ao lado do companheiro, Ernesto Che Guevara trabalhou como fotógrafo
nos Jogos Pan-americanos da Cidade do México 1955. Se ambos empunharam armas para
derrubar o ditador Fulgêncio Batista, Yulio Zorrilla o faz na luta por uma medalha
no Pan de Guadalajara. Praticante do tiro esportivo, ele elogia a mira de Fidel
e condena as deserções de compatriotas durante competições.
“Se você quiser ir para qualquer país em busca de melhores condições econômicas,
por que necessariamente tem que aproveitar uma situação como essa?”, questionou
o atleta de 34 anos. Medalha de bronze no Jogos Pan-Americano do Rio de Janeiro
2007, competição na qual alguns membros da delegação cubana desertaram, ele está
em Guadalajara com a meta de conquistar o ouro e, consequentemente, garantir presença
nas Olimpíadas de Londres 2012.
Zorrilla nasceu na cidade de Bayamo, localizada na Província de Granma,
região na qual o barco de mesmo nome chegou procedente do México em 1956 com algumas
dezenas de guerrilheiros, entre eles Fidel Castro, seu irmão Raul e Che Guevara.
Os poucos que sobreviveram ao desembarque organizaram a resistência armada a partir
da Sierra Maestra, uma região de difícil acesso, e precisaram de boas miras para
combater o exército de Fulgêncio Batista, em muito maior número.
Formado pelo prolífico programa esportivo cubano, Zorrilla começou a praticar
tiro com apenas 12 anos. Ele conciliou a modalidade com os estudos e se graduou
em contabilidade e finanças na Universidade de Havana. Após usar o acesso à internet
gratuito disponibilizado na Vila Pan-Americana e utilizado em larga escala pelos
cubanos, o atirador foi reticente diante do pedido de entrevista da GE.Net e perguntou
os assuntos que seriam abordados, mas falou abertamente sobre tudo.
GE.Net: Seus compatriotas estão
dominando a sala de acesso à internet aqui na Vila...
Yulio Zorrilla: Cuba não pode ser sócio comercial dos Estados
Unidos, mas todos os cabos de fibra ótica ao redor da Ilha são de empresas norte-americanas
ou de filiais de empresas norte-americanas. Portanto, elas não fornecem serviço
de internet à Cuba, o que faz com que o acesso seja demasiadamente caro e é difícil
contratá-lo com um salário mínimo. Na Guatemala, uma hora de Internet custa US$1,00.
Em Cuba, custa US$6,00. É uma conexão lenta e cara.
GE.Net: Por isso, todos estão aproveitando
aqui...
Zorrilla: Os atletas estão todos se falando entre eles
mesmos, se relacionando entre eles nas redes sociais. Tem um aqui e outro lá, mandando
mensagens pelo Facebook. Isso também é como se fosse uma diversão.
GE.Net: Muitos atletas também aproveitam
as passagens pelo exterior para comprar equipamentos eletrônicos. Você pretende
fazer isso?
Zorrilla: Sim, porque indiscutivelmente é mais barato
do que em Cuba. Eu
quero apenas atualizar o computador que tenho em casa e levar alguns presentes para
minha família.
GE.Net: Como o isolamento em relação
aos Estados Unidos influencia sua carreira de atirador esportivo?
Zorrilla: Há alguns anos, Cuba importou uma quantidade
de balas para eu treinar. A cada vez que as balas chegavam a um determinado porto
para seguir o caminho até Cuba, pela política de bloqueio dos Estados Unidos, a
mercadoria voltava para o país de origem. Ou seja, não era permitido que Cuba comprasse
as balas para tiro esportivo. Essas balas foram adquiridas com o objetivo de treinar
para os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007. Sabe quando elas chegaram
a Cuba?
GE.Net: Quando?
Zorrilla: Só um mês antes dos Jogos Olímpicos de Pequim,
em 2008. Uma parte veio de barco e a outra, de avião. Foi incrível a travessia que
precisaram fazer. A falta de negócios com os Estados Unidos nos afeta incrivelmente.
GE.Net: Atualmente, você conta com
um equipamento adequado ou já começa em desvantagem em relação aos outros competidores?
Zorrilla: Minha pistola de ar é bem moderna, comprei três
meses antes do Pan de 2007. A
outra é uma pistola da antiga União Soviética, mas que tem uma grande trajetória
de campeões olímpicos e mundiais. Atualmente, o recorde mundial da minha modalidade
foi feito com essa pistola. Não vou ter qualquer tipo de desvantagem em termos de
equipamento. Meu braço e minha mente vão definir tudo.
GE.Net: Alguns atletas cubanos aproveitam
as competições no exterior, como o Pan-Americano, para abandonar a delegação e tentar
ficar no país-sede. O que você acha desse tipo de atitude?
Zorrilla: Eu lutei contra vários atiradores cubanos para
conseguir representar o país em um campeonato como esse. A maioria que deserta o
faz por questões econômicas, ninguém está contra o governo. Mas se você quiser ir
para qualquer país em busca de melhores condições econômicas, por que necessariamente
tem de aproveitar uma situação como essa? Você pode solicitar um visto de outro
país, conseguir as licenças, pagar sua passagem e ir embora. Pode sair com a cabeça
erguida e ainda levar a base oferecida pelo governo cubano, que gratuitamente te
formou como um bom atleta. Você pode utilizar esse conhecimento para ganhar a vida
em outro país.
GE.Net: Ou seja, você acha que não
é necessário aproveitar eventos como Pan-Americanos e Olimpíadas para fugir...
Zorrilla: Eu penso que não precisa se aproveitar de uma
situação como essa. Se no futuro eu quiser sair de meu país, tiro os vistos para
mim e para minha família, pago meus trâmites, compro as passagens e vou embora.
Conheci alguns atletas que resolveram ficar e, no final das contas, tudo que ofereceram
ficou no esquecimento. Cuba não é o melhor país do mundo para viver, mas não são
apenas os cubanos que querem sair em busca de melhores condições econômicas. Conheço
guatemaltecos, venezuelanos e colombianos que têm o mesmo desejo, mas eles o fazem
com seus próprios meios. Por exemplo, ninguém fala: “Saí da Colômbia porque o governo
é terrorista.”
GE.Net: No Rio de Janeiro, alguns
cubanos desertaram durante os Jogos Pan-Americanos de 2007. Você acha que isso pode
se repetir em Guadalajara ou, pelo que sente da delegação, não vai acontecer?
Zorrilla: Isso é difícil de prever. Eu falo por mim, mas
não sei o que pensam os demais. Tem gente que não vem com essas intenções, mas chega
alguém e promete: “Vou te dar um trabalho, vou te dar um carro, vou te dar uma casa.”
No final, depois que os atletas decidem ficar, não cumprem o prometido. O Comitê
Organizador aqui em Guadalajara se comportou muito bem, atendeu muito bem aos cubanos
e não acredito que houve qualquer tipo de campanha para incitar os atletas a desertarem.
Mas cada um é dono de suas decisões e de seus destinos.
GE.Net: Você é praticante de tiro.
É verdade que o Fidel Castro tinha uma boa mira?
Zorrilla: Antes da Revolução, o Fidel passou um tempo
aqui no México treinando e se preparando. Quando ele estava na Sierra Maestra, um
estrangeiro doou um fuzil a ele. Era um bom rifle, com mira telescópica. Dizem que
ele era um bom atirador e inclusive há fotos dele caçando.
GE.Net: Então, podemos dizer que
o Fidel foi um precursor de seu esporte...
Zorrilla: Foi um precursor [risos]. Tem uma frase dele que envolve meu esporte: “Todo cubano deve
saber atirar, e atirar bem”.
GE.Net: Você está prestes a disputar
os Jogos Pan-Americanos aqui em Guadalajara. Sabia que o Che Guevara trabalhou como
fotógrafo na edição de 1955 do evento, realizada na Cidade do México?
Zorrilla: Não sabia disso, mas eu gosto muito de fotografia
e tenho um negócio em Cuba ligado à fotografia.
GE.Net: Além de praticar seu esporte,
você tem um trabalho paralelo em Cuba?
Zorrilla: Eu pratico meu esporte e agora, com as novas
resoluções do governo, tenho um negócio privado, o que lá chamamos de “trabalho
por conta própria”. O Estado permitiu que as pessoas que tenham recursos e interesse
em montar algum tipo de negócio particular recebam uma licença para isso. Na década
de 1990, houve uma abertura e recentemente isso aumentou, a concessão da licença
ficou mais flexível.
GE.Net: O Fidel gosta de esporte
e resolveu investir expressivamente nesta área durante sua longa gestão, a ponto
de fazer a pequena Ilha rivalizar com as grandes potências em Pan-Americanos e Olimpíadas.
A crise dos anos 1990 enfraqueceu Cuba no cenário esportivo?
Zorrilla: Depois dessa grande crise, que ainda atingiu
parte da primeira década deste século, Cuba está se recuperando na área econômica
e começará a resgatar a antiga estrutura esportiva. Recentemente, se reestruturaram
as escolas de iniciação esportiva. Nos centros de alto rendimento, também se projeta
um grande processo de investimento a partir do ano que vem para apoiar o desenvolvimento
esportivo nos próximos anos.
GE.Net: Você foi descoberto por
intermédio do programa de formação de talentos do governo?
Zorrilla: Sim. Em Cuba, há centros esportivos que captam
estudantes com qualidades físicas para um determinado esporte. Quando eu tinha uns
12 anos, um treinador de tiro foi à minha escola e perguntou: “Você quer praticar
tiro esportivo?”. Eu nem sabia o que era isso, mas ele me captou e começamos a treinar.
Esses foram meus primeiros passos, eu nem imaginava que poderia chegar ao time nacional.
Só fazia para ocupar meu tempo livre em algum esporte. Graças a isso, cheguei até
aqui. O sistema esportivo cubano, ao ser aberto a todo o povo, propicia a descoberta
de atletas, que vão passando por diferentes centros. Os mais talentosos e com melhores
resultados chegam ao alto rendimento e representam o país internacionalmente.
GE.Net: Como um profissional da
área econômica, que caminho você acha que Cuba deve seguir nos próximos anos?
Zorrilla: Cuba precisa dar passos para propiciar processos
de investimento mais seguros. No atual contexto mundial, com a globalização dos
meios e o intercâmbio econômico em tantos países, é impossível que uma economia
se desenvolva de forma isolada. Cuba é o principal sócio comercial da China no Caribe
e da Venezuela também. Precisa continuar se inter-relacionando com países do mundo
todo para poder desenvolver suas políticas econômicas e sociais.
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