Max Altman, texto recebido por e-mail
Cumpre inicialmente ressaltar que
a Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa) inflou a competição, sabe-se lá por
que razão, com esportes praticados por poucos países e dentro desses países por
pouca gente, geralmente endinheirada, e, fundamentalmente, esportes de pouca ou
nenhuma tradição olímpica, mas que garantem preciosas medalhas: badminton, squash,
boliche, raquetebol, softbol, pelota basca, caratê, boxe feminino, esqui aquático,
patinagem, ciclismo de montanha, ciclismo BMX, vela I 24, vela laser radial, vela
RSX feminino, vela RSX masculino, vela sunfish, ginástica de trampolim, rugby. Para
se ter uma ideia, o México, país anfitrião, de suas 42 medalhas de ouro, uma terça
parte foi assegurada por esses esportes: 4 no squash, 5 no raquetebol e 5 na pelota
basca.
A cobertura de nossa imprensa escrita
e televisionada foi basicamente distorcida em relação à essência dos resultados
e patrioteira ao ressaltar apenas as medalhas de ouro dos atletas brasileiros sem
atentar para a análise da qualidade do desempenho. A cobertura da TV Record, que
deteve os direitos de transmissão, pecou pelos mesmos motivos, embora diante das
evidências das imagens tivesse de esboçar críticas e observações com algum critério
técnico.
À parte os Estados Unidos, grande
e tradicional potência desportiva e olímpica, que de resto não enviou a Guadalajara
seus principais atletas, a maior vencedora foi a equipe de Cuba. Muitos mais uma
vez se perguntam como um país de apenas 11,2 milhões de habitantes, com parcos recursos
econômicos, bloqueado há mais de 50 anos pelo poderoso vizinho do norte, consegue
tão destacadas resultados essencialmente nas modalidades tradicionalmente olímpicas
nas quais concentra seus esforços.
Em primeiro lugar, a educação física
é realmente um direito do povo e maciçamente praticada em Cuba. Dezenas de milhares
de treinadores observam e peneiram na prática diária dos exercícios físicos na rede
de ensino básico, médio e universidades crianças e jovens com talento para a prática
deste ou daquele esporte. Levam-nos posteriormente para a iniciação e formação numa
dada modalidade. Observados, os melhores são conduzidos para os centros de alto
rendimento onde são burilados, recebem treinamento específico e são cercados de
atenção adequada.
Outro aspecto a destacar é que absolutamente
todos os atletas se preparam e se exercitam no próprio território cubano com treinadores,
técnicos, professores de educação física, fisioterapeutas, médicos desportivos,
árbitros, nutricionistas, massagistas, administradores desportivos e chefias cubanos.
Cuba chega até a exportar técnicos para outros países, como é o caso do próprio
Brasil. Não há um único atleta nascido em Cuba, que treine e more no exterior, sob
os cuidados de técnicos estrangeiros e membro de equipes locais. Todo e qualquer
resultado atlético, positivo ou não, é fruto autenticamente cubano dos esforços
da própria nação, nunca de um isolado talento individual ou de esforços individuais.
Para se ter uma ideia estatística
do valor da performance cubana, deixando de lado os Estados Unidos que não levaram
sua principal força, comparemos os resultados do segundo, terceiro e quarto colocados
em relação à população e ao poderio econômico. Cuba tem 11,2 milhões de habitantes
e US$70 bilhões de PIB (Brasil, 193 milhões e US$1,7 trilhão) e (México, 112 milhões
e US$900 bilhões). Desse modo, cada medalha dourada de Cuba corresponde a 193 mil
habitantes e US$1,2 bilhões (Brasil a 4,02 milhões de habitantes e US$35,4 bilhões
e (México a 2,66 milhões de habitantes e US$21,4 bilhões).
Finalmente, dois comentários mais
sobre o boxe e o atletismo, duas modalidades olímpicas tradicionais. Quando no Pan
do Rio em 2007, os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara desertaram de
sua equipe, atraídos pelos acenos pecuniários de empresários alemães, a grande mídia
brasileira exultou. As manchetes estampavam: pugilistas fogem para a liberdade.
Localizados, foram deportados para Cuba. Os meios de comunicação locais estrebucharam:
os boxeadores foram devolvidos pelo governo brasileiro para serem vítimas da vingança
dos Castro. Pouco tempo depois, Rigondeaux e Lara saíram normalmente de Cuba e foram
para Miami em busca de riqueza e glória. Hoje lutam muito pouco. Dependem de inescrupulosos
empresários. A fama e o dinheiro se esvaem. Mais adiante, com o passar do tempo,
quando não mais puderem lutar, serão jogados fora como laranjas chupadas. Teófilo
Stevenson e Félix Savón, tricampeões olímpicos de boxe, jamais abandonaram suas
equipes nem seu país, apesar dos milionários convites para se profissionalizar.
Quando encerraram a carreira, passaram a treinar e formar novos campeões. Têm a
admiração e a amizade de seus pupilos e do povo de seu país. Em Guadalajara, com
equipe totalmente renovada e muito jovem, o boxe cubano de dez categorias disputadas
participou de nove – não levou o superpesado. Ganhou 8 medalhas de ouro e só perdeu
uma luta, a de mosca.
Quanto ao atletismo, o esporte olímpico
por excelência, o único que pode ostentar o dístico citius, altius, fortius – mais rápido, mais alto, mais forte – em que
raramente um só atleta consegue levar mais de duas medalhas, jamais, 5, 6 ou 7,
Cuba de 47 provas disputadas conquistou 19 medalhas de ouro e o Brasil, 10. Ainda
que se leve em conta que os Estados Unidos não mandaram sua equipe principal nem
a Jamaica seus extraordinários velocistas, os atletas cubanos realizaram em sete
provas, marcas que os colocariam no pódio olímpico: vara feminino com Yarisley Silva;
400m com barreiras com Omar Cisneros; vara masculino com Lázaro Borges; dardo masculino
com Guillermo Martinez; 110m c/barreiras com Dayron Robles; martelo feminino com
Yipsi Moreno e disco feminino com Yarelis Barrios.
Se o Brasil, país de população jovem,
seguir a lição de Cuba: massificação da prática desportiva nas escolas de todos
os graus, construção de instalações adequadas nos colégios e universidades, formação
de milhares de profissionais do esporte com a missão básica de buscar e peneirar
talentos, para mais tarde formá-los e burilá-los em centros de treinamento de alto
rendimento, certamente será também uma potência olímpica e das mais poderosas.
Cuba me lembra Asterix... pois resiste ao Império...
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