Ao aceitar a Palestina como membro pleno, a Unesco aceitou o desafio de
funcionar com quase um quarto a menos de seu orçamento. Não é a primeira vez que
os Estados Unidos chantageiam a Unesco com a retirada de sua contribuição financeira.
Entre 1984 e 2003, Washington boicotou a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura para protestar por sua “péssima administração” e pela “ideologia
terceiro-mundista”.
Eduardo Febbro, via Carta
Maior
Os palestinos deram um passo firme rumo ao reconhecimento pleno de seu Estado,
enquanto a primeira potência mundial, os Estados Unidos, colocou o primeiro obstáculo
frente à marcha palestina. Reunida em Paris até 10 de novembro, a Conferência Geral
da Unesco votou pela adesão da Palestina como Estado membro de pleno direito. O
ingresso da Palestina à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura muda radicalmente o regime precedente dos palestinos uma vez que, até
segunda-feira, 31 de outubro, a Palestina só tinha um estatuto de missão observadora.
A adesão da Palestina como Estado de pleno direito foi aprovada por 107 votos a
favor, 14 contra e 52 abstenções.
Os Estados Unidos, que se opuseram à medida, decidiram de imediato suspender
seu financiamento à Unesco. Tal medida privará a organização de 22% de seu orçamento,
em torno de US$70 milhões. Washington aplicou, sem concessões, duas leis que datam
dos anos de 1990 e que proíbem os Estados Unidos de financiar qualquer agência das
Nações Unidas em que a Palestina seja aceita como Estado pleno enquanto não se chegue
a um acordo de paz com Israel.
Mas os já claríssimos interesses da administração norte-americana e seu
favoritismo para com Israel não são os da maioria dos países da comunidade internacional.
A França, a quase totalidade dos países árabes, os Brics (Brasil, Rússia, Índia,
China, África do Sul), Argentina e, excetuando o México que se absteve e o Panamá
que votou contra, os países de América Latina fecharam fileiras a favor dos palestinos.
Os Estados Unidos, a Alemanha e o Canadá se opuseram enquanto a Itália e o Reino
Unido se abstiveram. Israel também antecipou que retiraria sua contribuição financeira
à Unesco.
O embaixador israelense na organização, Nimrod Barkan, disse que o ingresso
da Palestina como Estado era una “tragédia para a Unesco”. Barkan tirou do bolso
as já desgastadas ameaças contra os países que apoiaram os palestinos. O embaixador
israelense advertiu que isso “debilitará” a capacidade desses países de “influenciar
a posição israelense”. Barkan qualificou de “ficção científica” o ingresso dos palestinos
na Unesco e ressaltou que este era “um dia triste” porque marcava o momento em que
“uma organização decide desconectar-se da realidade”.
A disputa de declarações entre os principais atores do conflito israelense
palestino permite medir a distância abismal que existe para se chegar a um acordo
de paz. Washington, por intermédio de seu embaixador na Unesco, David Killion, avaliou
que a iniciativa da Unesco era “prematura” e “contraproducente”. Na direção contrária,
o ministro palestino de Relações Exteriores, Riyad Al-Malki, declarou que estamos
vivendo “um momento histórico que devolve à Palestina parte de seus direitos”. Al-Malki
refutou o argumento israelense norte americano que consiste em vincular o novo estatuto
da palestina com a paz na região.
A Palestina se converteu no Estado número 195 da Unesco graças aos estatutos
que regem essa organização dependente da ONU. Diferentemente do que acontece no
Conselho de Segurança onde cinco países (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Rússia
e China) têm direito de veto e podem bloquear, entre outras coisas, a adesão de
um novo Estado na Unesco só se requer dois terços dos votos da Conferência Geral
para adquirir o estatuto de Estado de pleno direito. O novo regime permitirá aos
palestinos que alguns dos territórios ocupados por Israel, dentre eles Belém, Hebrón
e Jericó, sejam reconhecidos como Patrimônio Mundial da Humanidade.
Para o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, trata-se de um
êxito diplomático de grande alcance que torna um pouco mais tangível o reconhecimento
da Palestina como Estado. No dia 23 de setembro passado, Abbas propôs oficialmente
a aceitação da Palestina como Estado membro da ONU. O Conselho de Segurança examinará
a solicitação no próximo dia 11 de novembro, mas ela tem poucas possibilidades de
ser aceita uma vez que Washington já adiantou que exerceria seu direito de veto.
Por enquanto, a Unesco aceitou em Paris o desafio de funcionar com quase
um quarto a menos de seu orçamento. Não é a primeira vez que os Estados Unidos chantageiam
a Unesco com a retirada de sua contribuição financeira. Entre 1984 e 2003, Washington
boicotou a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
para protestar por sua péssima administração e pela ideologia terceiro-mundista
que imperava na Unesco. A diretora geral da organização, Irina Bokova, admitiu que
de agora em diante terá de “cortar programas e reajustar o equilíbrio do nosso orçamento”.
Entretanto, para a responsável da organização, já não se trata de um “problema
financeiro”, mas de um “problema que concerne à universalidade da nossa organização”.
Como já se pôde corroborar no conflito israelense palestino e tantos outros dramas
que sacodem o mundo, as grandes potências mundiais têm uma visão variável da “universalidade”
dos direitos. Estes são “universais” segundo o peso dos interesses e não como valor
supremo da humanidade.
Tradução: Libório Junior
Nenhum comentário:
Postar um comentário