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Médica e deputada da Assembleia Nacional do Poder Popular, Rebeca Gonzáles, explica funcionamento do Policlínico Docente Capdevila, em Boyeros, Cuba. (Foto: Mara Vieira) |
Bruno Abreu Gomes
Em novembro de 2011, um grupo de 11 médicos brasileiros – dos estados de
Pernambuco, Bahia, Paraíba e Minas Gerais – foi conhecer em Cuba o Sistema Nacional
de Saúde. Todos eram médicos da “atenção primária” no Sistema Único de Saúde (SUS)
e levaram à Ilha uma questão central: o que se pode aprender com o povo cubano para
garantia do direito à saúde no Brasil?
Por que Cuba
Uma pequena ilha, com cerca de 11 milhões de habitantes e um território
um pouco maior que o estado de Pernambuco. Nos últimos anos, em meio a crises de
qualidade e sustentação financeira dos serviços de saúde em todo o mundo, Cuba tornou-se
uma referência.
E os resultados objetivos justificam a admiração pela saúde em Cuba. Antes
da Revolução, o povo cubano vivia menos de 60 anos, 60 a cada 1.000 crianças morriam
até um ano de idade e havia apenas 6 mil médicos no país, 56% dos quais viviam em
Havana. Para agravar a situação, metade deles saiu do país após a Revolução Democrática
e Popular de 1959.
Hoje a expectativa de vida média é 78 anos. A mortalidade infantil é de
4,5 crianças para cada 1.000 nascidos vivos e a mortalidade materna é 30 a cada
100 mil gestações. Foram erradicadas do país a poliomielite em 1962, a difteria
em 1979, o sarampo em 1993 e a rubéola em 1995. As doenças que mais matam em Cuba
são enfermidades cardiovasculares, tumores malignos e doenças vasculares cerebrais,
um padrão típico de países desenvolvidos.
A saúde em Cuba
O Sistema Nacional de Saúde em Cuba é universal, integral, gratuito, regionalizado
e ao alcance de todos os cidadãos sem discriminações religiosas, políticas, por
raça ou etnia. O dever do estado na garantia do direito à saúde está definido na
Constituição da República. O sistema é orientado e coordenado pela base – como costumam
se referir à atenção primária. E Cuba investe 18% de seu Produto Interno Bruto em
saúde pública (no Brasil, essa cifra é de 3,4%).
O direito às creches é universal em
Cuba, serviço cujo impacto positivo na saúde de uma criança já está comprovado por
evidências científicas. Os chamados Círculos Infantis são serviços providos pelo
estado e garantem que as crianças pré-escolares sejam cuidadas durante as horas
de trabalho dos pais. O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças
menores de um ano é feito por médicos de família em trabalho conjunto com pediatras,
que vão às unidades básicas de saúde uma vez por semana. O calendário vacinal compreende
12 agentes patológicos, dentre elas a vacina desenvolvida em Cuba contra a bactéria
meningocócica B.
A violência social, que adoece famílias
no Brasil, é insignificante em Cuba. Tráfico de drogas, assassinatos, conflitos
entre facções rivais, mortalidade elevada de jovens por causas externas e disputa
entre Estado e grupos paramilitares são temas conhecidos por meio de filmes e histórias
brasileiras. As gestantes fazem em média 12 consultas de pré-natal, entre avaliações
do médico de família e do obstetra, e todas fazem pelo menos uma ultrassonografia.
Os cubanos desenvolveram um serviço chamado Hogar Materno no qual gestantes com
risco são acompanhadas todos os dias ou internadas para controle de fatores que
podem levar a um mau desfecho gestacional, como baixo peso, anemia, problemas familiares
ou longa distância geográfica da maternidade. Além disso, as mulheres que não desejam
concluir uma gestação podem interrompê-la com assistência de um serviço de saúde
conforme orientação com a equipe médica.
A saúde dos idosos é prioridade em
Cuba. Em diversos serviços públicos, como escolas e academias populares, são organizados
Círculos de Abuelos, onde os idosos fazem exercícios físicos, atividades cognitivas
e convivência social. Os idosos sadios que ficam sós enquanto seus familiares trabalham
podem ser acompanhados pela Casa de Abuelos, onde fazem trabalhos manuais, horta
comunitária, exercício físico e atividades lúdicas sob supervisão de terapeutas
ocupacionais e educadores físicos. Já famílias com idosos dependentes e acamados
contam com o apoio do estado que oferece um cuidador domiciliar diariamente ou recorrem
aos Hogares de Ancianos, equivalentes às instituições de longa permanência no Brasil
(conhecidas como asilos), com a diferença de que em Cuba são um direito social garantido
pelo estado.
Atualmente, Cuba conta com 72,5 mil
médicos, sendo que 36 mil deles atuam na atenção primária e 26 mil são especialistas
em medicina geral e integral (a especialidade equivalente no Brasil, chamada medicina
de família e comunidade, conta com 1.500 especialistas de um universo de 31.500
médicos que trabalham no Programa Saúde da Família). E não faltam bons médicos nos
postos de saúde ou regiões rurais de difícil acesso. Um médico e uma enfermeira
de família compõem um consultório de família, equivalente a uma equipe de saúde
da família no Brasil. São profissionais que vivem nas próprias comunidades em que
trabalham e são responsáveis por, no máximo, 1.500 pessoas. Um grupo de até 20 consultórios
tem referência em um policlínico, onde se encontram diversas especialidades médicas,
outros profissionais de saúde, exames complementares e vacinação.
As práticas de medicina popular e
tradicional foram incorporadas aos consultórios de médico e enfermeira da família
e aos policlínicos. E graças ao desenvolvimento de pesquisas médicas autônomas,
Cuba cria tecnologias próprias, como a medicação chamada Heberprot-P para feridas
crônicas em pacientes com diabetes melitus que está sendo exportada para outros
países. Como se não bastasse, um princípio cubano é a solidariedade: há 17 mil médicos
e 23 mil outros trabalhadores da saúde em missões internacionais em 74 países.
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Idosos de uma Casa de Abuelos cantam a Canção “Hasta siempre comandante Che Guevara” para receber médicos brasileiros. (Foto: Mara Vieira) |
São apenas alguns exemplos. Poderíamos
citar também os serviços hospitalares descentralizados, os transplantes de órgãos
e as tecnologias modernas de diagnóstico e tratamentos disponíveis, apesar do bloqueio
norte-americano que impede, por exemplo, o uso de um medicamento para tratamento
da leucemia em crianças que não respondem a quimioterápicos usuais.
Mas existem desafios. Cuba enfrenta
hoje o tema do tabagismo, hábito cultural e fonte de divisas importante para a economia
nacional, diretamente relacionado às causas maiores de mortalidade. Além disso,
é fundamental valorizar a moeda nacional e o salário dos trabalhadores, inclusive
dos profissionais de saúde. O estímulo aos trabalhos por conta própria e a luta
contra o bloqueio norte-americano são medidas nesse sentido.
Lições para o povo brasileiro
Não há fórmulas prontas. O processo
histórico de construção de uma sociedade e um sistema de saúde têm singularidades
e particularidades. O povo cubano, inclusive, destacou-se na história por não aceitar
imposição de modelos e construir suas mudanças com soberania. Mas há lições importantes
para os que desejam o direito à saúde para o povo brasileiro.
No Brasil, também tivemos conquistas
populares no setor saúde com as lutas pela construção do SUS. Ao longo de seus 23
anos, conseguimos aumentar a expectativa de vida para 73,1 anos e reduzir a mortalidade
infantil para 21,17 por 1.000 crianças nascidas vivas (vale lembrar as disparidades
regionais, a ponto de Alagoas ter uma mortalidade infantil de 46 por 1.000). Resultados
modestos se comparados aos cubanos. Nossos desafios são muitos.
Nessa vivência em Cuba, ficamos emocionados
e inquietos ao lembrar das famílias que cuidamos e muitas vezes sofrem e adoecem
por problemas que em Cuba foram superados há 50 anos. No Brasil, e não em Cuba,
ainda existe baixa cobertura de serviços de atenção primária, carência de médicos
em áreas remotas e periferias urbanas, concentração de médicos em setores privados
de saúde, financiamento insuficiente.
E aprendemos com o povo cubano duas
lições centrais: saúde se conquista com a garantia de outros direitos sociais e
somente a vontade política garante saúde como um direito de todos e dever do Estado.
Na sociedade brasileira, o direito
à saúde somente será garantido com reformas estruturais: educação pública e de qualidade
em todos os níveis, rede de proteção e assistência social ampla e eficiente, moradias
saudáveis, alimentos acessíveis e sem agrotóxicos, melhores condições de trabalho
e bons salários para todos os trabalhadores.
Por isso, são fundamentais a ação
dos movimentos populares, estudantis e sindicais no Brasil para fortalecer a atenção
primária e o SUS, lutar contra as privatizações na saúde, banir o uso de agrotóxicos
e fazer avançar as transformações profundas da sociedade brasileira. E façamos a
nossa opção soberana por um projeto popular para o Brasil.
Bruno Abreu Gomes – Pedralva
Cuba, 3 de dezembro de 2011
Dia Latino-Americano da
Medicina
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