Em visita a Cuba, Dilma fala sobre
Guantânamo, ao comentar direitos humanos, e alfineta bloqueio dos EUA, ao dizer
que Brasil quer cooperar com desenvolvimento cubano. Países fecham nove acordos.
Presidenta critica “práticas violentas” contra movimentos sociais e, com “muito
orgulho”, encontra Fidel Castro.
André Barrocal, de Havana, via Carta
Maior
Segundo líder estrangeiro a fazer
uma visita oficial a Cuba em 2012, a presidenta Dilma Rousseff fugiu de “cascas
de banana” políticas e diplomáticas que lhe surgiram na primeira etapa dos compromissos
da terça-feira, dia 31. E ainda enfatizou que está na Ilha por amizade e desejo
de cooperar com o governo e o povo cubanos.
Ao comentar a política de direitos
humanos da Ilha, lembrou Guantânamo, símbolo de que o grande inimigo de Cuba, os
Estados Unidos, tem telhado de vidro. Ao falar sobre como o Brasil pode ajudar no
desenvolvimento de Cuba, alfinetou o histórico bloqueio imposto pelos norte-americanos
e ainda disse que cooperação não deve ser movida por interesse unilateral.
Na entrevista coletiva de cerca de
dez minutos que deu à imprensa brasileira e estrangeira [clique
aqui para assisti-la], Dilma também mandou recados políticos com significado
interno, em resposta a quem quis saber como se poderia interpretar uma agenda que,
em uma semana, levou-a ao Fórum Social Temático, em Porto Alegre, e a Cuba.
“Vamos falar de direitos humanos?
Então nós vamos começar a falar de direitos humanos no Brasil, nos Estados Unidos,
uma coisa chamada Guantânamo...”, disse Dilma, logo no primeiro tema levantado durante
a coletiva, assunto com potencial para embaraçar as históricas e amistosas relações
entre Brasil e Cuba.
Quando foi a Cuba, por exemplo, o
ex-presidente Lula sempre fugiu da mesma “derrapagem”, o que também lhe custava
críticas – de adversários políticos e da imprensa – de cumplicidade com ditaduras.
“Não é possível fazer da política
de direitos humanos só uma arma de combate político e ideológico”, disse a presidenta,
para quem o assunto deve ser abordado de forma global. “Direitos humanos não é uma
pedra que você joga só de um lado para o outro”, comentando que tem quem atire e
possua telhado de vidro, inclusive o Brasil, talvez numa velada referência ao caso
Pinheirinho.
Na entrevista, Dilma afirmou que tinha
“imenso orgulho” de estar na Ilha, onde pretende estabelecer “uma grande parceria
com o governo cubano e povo cubano”, “estratégica e duradoura”, para contribuir
com o desenvolvimento local, contrapondo-se à postura “do bloqueio, do embargo,
do impedimento”, que levam “mais a pobreza e a problemas sérios para as populações”.
Segundo ela, América Latina, Caribe
e África são regiões com as quais o Brasil “mais tem obrigação” de construir uma
“política decente”. “Não uma política que só olhe seu interesse, mas seja capaz
de construir com seu interesse, o interesse do outro povo. Eu acho que essa é a
novidade de nossa presença internacional.”
Para ajudar a contribuir – e tirar
proveito de uma relação que tem dois sentidos –, Dilma e o líder cubano, Raul Castro,
viram seus ministros assinarem nove acordos, depois de uma reunião privada entre
os dois, na etapa posterior da agenda da brasileira, depois da entrevista.
A assinatura de atos no Palácio do
Governo de Cuba foi precedida da leitura de um comunicado conjunto, em que os dois
países ressaltavam a “amizade” histórica existente entre ambos.
Foram fechados acordos pelos quais
o Brasil aumenta o financiamento à produção de alimentos em Cuba, na área de transporte,
biotecnologia, de melhoria do fluxo de comércio entre os dois países, hoje em US$650
milhões por ano.
Tudo se soma agora ao crédito de US$650
milhões que o Brasil cedeu a Cuba para ajudar numa das maiores obras em andamento
na Ilha, o Porto de Mariel, a cerca de 45 minutos de Havana, que Dilma visitaria
mais tarde. “[O porto] é fundamental que
se criem aqui de condições de sustentabilidade para o desenvolvimento do povo cubano”,
dissera a presidenta na entrevista.
Na conversa com os jornalistas, Dilma
disse que o Brasil é um país pacífico e que faz política internacional dialogando
com todos, Cuba, e Estados Unidos – cujo presidente recebeu no ano passado e a quem
deve visitar em março –, Argentina e União Europeia, China e G20, como aconteceu
no ano passado.
E, neste trecho da entrevista, deu
sutis – mas perceptíveis – recados políticos internos. Ao rememorar a ida ao Fórum
Social, disse que acha “fundamental dialogar com os movimentos sociais”, que passaram
2011 um pouco mal-humorados com a falta de acesso que tiveram à presidenta em comparação
com a era Lula.
“Não acredito, nem para nós internamente,
que as práticas violentas de tratamento de movimentos sociais se justifiquem”, declarou
a presidenta, em outra referência velada ao caso Pinheirinho, que ela havia comentado
apenas numa reunião fechada (“barbárie”).
“Nem tampouco nós acreditamos que
a guerra, o conflito, o confronto, levem a grandes resultados”, emendou a presidenta,
numa declaração sem endereço mas que pode ser entendida tanto dentro do Brasil,
no caso Pinheirinho, quanto em relação à tradicional postura bélica dos EUA.
Quando deu a entrevista, Dilma tinha
acabado de participar de uma cerimônia alusiva ao herói da libertação cubana José
Martí, em um memorial dedicado a ele na histórica Praça da Revolução, palco dos
longos e famosos discursos do líder Fidel Castro, hoje doente e com 85 anos.
Embora não tivesse sido divulgado
à imprensa, desde a véspera, segundo a reportagem apurou, já estava certo que Dilma
encontraria Fidel, para um visita restrita, na casa do líder cubano, da qual deveriam
participar, pelo lado brasileiro, somente o ministro Antônio Patriota (Relações
Exteriores) e o assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia. Ela
disse que encontraria Fidel “com muito orgulho”.
O encontro ocorreria depois do almoço
que Dilma teria apenas com seus assessores mais próximos no hotel em que a comitiva
presidencial está hospedada em Havana. Ela chegou ao hotel por volta das 12h20 no
horário local, três horas a menos do que a hora oficial do Brasil.
Entre a visita ao Memorial José Martí
e o almoço, Dilma tinha-se reunido por mais de uma hora com o irmão de Fidel e atual
líder cubano, Raul Castro, hoje com 80 anos. Antes de Dilma, Raul recebera em Havana,
em 2012, em visita oficial, só o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. E ainda
não fez viagens ao exterior neste início do 54º ano da Revolução.
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