Embora irmanados nos fins,
Vaticano e imperialismo norte-americano seguem por caminhos diferentes a sua
cruzada contra Cuba. A experiência política no caminho do retrocesso histórico
adquirida pela Igreja durante o papado de João Paulo 2º, em grande parte do
qual as linhas mestras eram já definidas pelo cardeal Ratzinger – o atual papa
– podem levar o Vaticano a não ceder a Washington e Miami. O que não significa
que seus objetivos sejam divergentes…
David Brooks, via La
Jornada e lido no Terra
Brasilis
Quando o governo estadunidense e
os anticastristas de Miami denunciaram a breve detenção de opositores pelas
autoridades cubanas, nas vésperas da visita do papa Bento 16 à Ilha, não
referiram que esses dissidentes, tal como uma ampla gama da oposição política
dentro da ilha, são apoiados e em muitos casos financiados – numa violação das
leis de Cuba – por Washington e as organizações anticastristas de Miami, cujo
propósito anunciado é a mudança de regime.
Por isso, as expressões
provenientes de Washington e de Miami sobre a visita do pontífice a Cuba, 26 e
27 de Março, têm um fio cortante mais perigoso do que à primeira vista parece.
Miami quer sempre um conflito
entre a Igreja Católica e o Estado cubano. Não convém à linha dura de Miami que
o menor grau de relações harmoniosas entre a Igreja e o Estado, comentou o
embaixador Wayne Smith, perito em relações bilaterais entre os Estados Unidos e
Cuba, em entrevista ao jornal La Jornada.
Smith, que foi chefe da Secção de
Interesses do governo estadunidense em Havana na presidência de Jimmy Carter e atualmente
é analista do Centro de Políticas Internacionais em Washington, comentou que o
governo dos Estados Unidos também queria que a Igreja tivesse uma linha mais
dura contra o regime de Cuba, que houvesse uma maior confrontação, mas a Igreja
não o fará.
As relações de cooperação
desenvolvidas entre a Igreja católica, encabeçada pelo cardeal Jaime Ortega, e
o regime cubano não agradam às forças mais conservadoras de Miami, tal como em
alguns sectores de Washington, a começar pela oposição oficial da Igreja cubana
contra o epicentro da política estadunidense: o bloqueio norte-americano à Ilha.
Esta semana, o Vaticano reiterou
que a sua posição sobre o bloqueio não é um mistério, e isso foi expresso pelo
papa João Paulo 2º durante a sua histórica viagem a Cuba em 1998, e não
surpreenderá que o atual pontífice, Bento XVI, o repita, juntamente com os
apelos a maior liberdade religiosa, antecipou o Catholic News Service.
Por isso, figuras influentes do
exílio como a deputada Ros Lehtinen – agora presidenta do Comitê de Assuntos
Externos –, o senador Marco Rubio e outros legisladores e políticos
cubano-estadunidenses opuseram-se inicialmente à viagem, afirmando que a visita
do papa só serve os propósitos do regime de Havana, e criticaram a conciliação
da Igreja com o regime cubano. Como o Vaticano não lhes ligou, pressionam para
que a visita seja utilizada para denunciar o regime.
Um par de incidentes recentes em
que as autoridades cubanas detiveram membros de grupos dissidentes foi
utilizado por figuras anticastristas de Miami e políticos de Washington para
repetirem as suas condenações (apesar de num dos casos, ter sido a própria
Igreja católica quem pediu a expulsão de um grupo do templo, com o arcebispo a
afirmar que ninguém tem o direito de converter os templos em barricadas
políticas e afetar a celebração da chegada do papa).
Ros-Lehtinen declarou a semana
passada na Câmara dos Representantes que “pouco se disse sobre a escalada de
violência contra a oposição interna de Cuba… mas há uma oportunidade de corrigir
isto, denunciando-a e apelando a Bento 16 que apoie publicamente as aspirações
do povo cubano, escravizado e impedido de exercer os seus direitos outorgados
por Deus”.
Em Miami, Ninoska Pérez, diretora
do Conselho de Liberdade Cubana e voz proeminente do anticastrismo, afirmou que
esperava mais protestos antes e durante a visita do papa a Cuba.
Em Washington, um porta-voz do
Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca declarou aos media que “a
detenção de membros das Damas de Branco… nas vésperas da visita do papa Bento
XVI mostrava o desdém das autoridades cubanas pelos direitos universais do povo
cubano”.
Por seu lado, o Departamento de
Estado denunciou que a detenção era uma violação repreensível, e incitou o papa
a abordar o tema dos direitos humanos nas suas conversações com o governo
cubano.
O New York Times, em
editorial, defendeu que o papa deve pressionar o líder cubano para acabar com a
perseguição aos dissidentes, e dizer-lhe que o mundo não se esqueceu do anseio
de liberdade do povo cubano.
Mas, como quase sempre acontece e
quase nunca se diz, é que estes grupos dissidentes recebem apoio dos Estados
Unidos. No ano passado, o Departamento de Estado atribuiu o seu Prêmio de
Defensores dos Direitos Humanos às Damas de Branco, enquanto funcionários da
sua Secção de Interesses se reuniram com elas. Milhões de dólares foram
canalizados para os grupos que procuram uma mudança de regime.
É quase impossível saber quais
são os grupos que na ilha caribenha recebem dinheiro, devido à falta de transparência
no envio de fundos e outras ajudas estadunidenses a diversas organizações em
Cuba, com a maior parte deles canalizada, entre outras, para Organizações de
Miami.
A Agência de Desenvolvimento
Internacional dos Estados Unidos (USAID) distribui a maior parte dos fundos
estadunidenses de apoio às organizações anticastristas dentro e fora da ilha
caribenha, e explicitamente afirma que ao chegar à comunidade dissidente, o
programa da agência internacional contribui para o desenvolvimento de grupos independentes
da sociedade civil que, finalmente, podem contribuir significativamente a nível
local e nacional.
Para os anos fiscais de 2009 e
2010 o Congresso atribuiu 35 milhões de dólares para programas relacionados com
Cuba (23 milhões foram através da USAID).
Para os chamados programas de
promoção da democracia estabelecidos pela Lei Hermes Burton, o governo dos
Estados Unidos distribuiu mais de 150 milhões de dólares, afirma o Cuba Money
Project, que se dedica a monitorizar essa assistência oficial.
Naturalmente, toda a assistência econômica
estrangeira para os grupos dissidentes dentro da ilha, como toda e qualquer
operação estrangeira que intervém em assuntos internos, viola as leis nacionais
de Cuba.
Julia Sweig, diretora de estudos
latino-americanos do influente Conselho de Relações Externas, comentou
recentemente que os chamados programas de democracia para Cuba do governo
estadunidense são uma provocação extraordinária, já que continuam com o mesmo objetivo
herdado do governo anterior (o do republicano George W. Bush): a concepção de
mudança do regime permanece em grande medida intacta sob o presidente Obama.
Explicou que os programas são
ocultados ao público estadunidense; não há informação pública sobre os
subcontratados privados para estes programas nos Estados Unidos e em muito
outro lado, e que até muitas vezes alguns grupos ou indivíduos que vivem em
Cuba, por vezes não sabem que fazem parte dos programas estadunidenses.
Os programas de democracia para
Cuba têm sido deliberadamente politizados para provocar, e têm tido êxito na
provocação, acrescentou Julia Sweig.
Na conjuntura da visita papal a
Cuba, tudo indica que o objetivo de Washington e Miami é precisamente esse:
provocar.
David Brooks é Correspondente do prestigiado diário mexicano La
Jornada.
Tradução: José Paulo Gascão.
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