Depois do incêndio em agência de turismo que fazia viagens a Cuba, a polícia
e o FBI indicam que ato foi criminoso e investigam participação de grupos anticastristas
na Flórida.
Via Opera
Mundi
Há pouco mais de duas semanas, as instalações da Airline Brokers, uma agência
de viagens de Miami especializada em voos a Cuba, foram destruídas por um incêndio
de grandes proporções. Logo nas primeiras investigações, os peritos suspeitaram
de uma sabotagem. Na terça-feira, dia 15, os bombeiros da cidade não deixaram dúvidas:
o incêndio foi intencional e provocado por profissionais.
As chamas consumiram o interior da agência em menos de duas horas e foram
aceleradas por um componente químico de alta volatilidade. De resto, na manhã do
incêndio, um cão especializado em detectar explosivos ainda não tinha entrado dentro
do escritório e já acusava a presença do acelerador químico das chamas. “Logo que
ele chegou, sentou no chão três vezes. Era o sinal de que havia algo anormal neste
incêndio”, comentou ao Opera Mundi um dos especialistas da agência antiterrorista
do estado da Flórida, que pediu anonimato.
O FBI e os grupos antiterroristas locais foram chamados de imediato para
analisar o caso porque, como recordou um dos seus membros, “desde os atentados do
11 de setembro, todos os casos suspeitos de terrorismo são passados a pente fino”.
E Miami tem uma história nada simpática nesse sentido.
Entre as décadas 1970 e 1990, a capital do exílio cubano nos Estados Unidos
foi alvo de uma intensa campanha de atentados terroristas que deixou um rastro de
pelo menos dez mortos e mais de 50 imóveis destruídos. Foi uma guerra não-declarada
por parte dos mais radicais anticastristas, que se sentiram incomodados com a política
do governo cubano de reaproximação com os exilados que não promoviam uma política
de hostilidade à Ilha.
Como reconheceu no início do mês o ex-agente da CIA Rolando Martinez (foto) “foram anos muito críticos e perigosos.
Algumas organizações [contrarrevolucionárias]
estavam incomodadas ao constatar o avanço nos Estados Unidos dos simpatizantes do
castrismo”.
Na época a que Martinez se refere, o governo cubano realizou reuniões com
setores moderados do exílio cubano. Foi assim que, em outubro de 1978, libertou
3.500 presos políticos e iniciou um processo chamado de “reunificação familiar”,
e milhares de exilados regressaram a Cuba para rever seus parentes.
Em Miami, apareceram agencias de viajem especializadas em vôos a Cuba, as
universidades começaram a intercambiar professores com as suas congêneres na ilha,
abriram-se centros de estudos sobre as relações entre os Estados Unidos e Cuba.
Para o sector extremista do exílio, este movimento significou uma espécie de “rendição
ante Fidel”. E assim apareceu o terrorismo.
Começou então uma onda de atentados terroristas e uma campanha de calúnias
contra todos os que participaram no processo de aproximação. O banqueiro que pediu
a Fidel Castro que libertasse os 3.500 presos foi arruinado. A diretora de um centro
de estudos sobre Cuba foi alvo de um atentado que destruiu parcialmente sua casa
e a deixou para o resto da vida para cima de uma cadeira de rodas. Dois dos participantes
nas conversações com o governo cubano foram assassinados.
Por isso é que agora as autoridades antiterroristas e o FBI varrem Miami
à procura dos autores do incêndio na agência de viagens há duas semanas. “Não vamos
voltar aos anos 70 e 80. Não descartamos nenhuma pista nem linha de investigação.
O terrorismo acabou e é bom que se saiba. Isto é uma coisa que levamos bastante
a sério”, disse uma fonte da equipe antiterrorista.
Miami em chamas
Segundo versões que circulam entre os jornalistas em Miami, a CIA também
está atenta às investigações. A agência de inteligência norte-americana tem boas
razões para isso porque, depois de tudo, a quase totalidade dos autores dos atentados
terroristas em Miami, nas décadas de 70 e 80, foram treinados por ela em sua guerra
contra a Revolução Cubana.
Martinez, de 82 anos e que esteve envolvido no escândalo Watergate, reconheceu
isso há poucos dias, numa declaração muito franca. “Todo esse pessoal foi treinado
em explosivos. Não para criar um terrorismo mas sim como um método de guerra contra
Cuba”, disse o ex-agente da CIA a um canal de televisão.
As primeiras atividades terroristas começaram em Miami no início dos anos
1970. Em poucos meses, líderes da comunidade cubana pró e contra o regime de Fidel
Castro passaram a ser assassinados. A violência era tanta que a polícia não tinha
pessoal suficiente para atender todas as emergências. Parecia que o governo federal
tinha perdido o controlo de uma parte do país.
Nessa época foram assassinados Rolando Masferrer, um anticastrista violento
com grandes rivais dentro do exílio pelo seu passado comunista, e José Elias de
la Torriente, considerado então o líder do exílio, mas sobre quem caiam fortes suspeitas
de ter desviado fundos em proveito próprio e investidos numa urbanização. Uma bomba
deixou inválido o locutor Emilio Milián, conhecido pelas suas críticas a essa onda
de violência.
Orlando Bosch, autor do atentado do contra o avião da Cubana de Aviación
que explodiu em pleno voo perto da ilha de Barbados em 1973, disparou uma bazuca
contra um barco polonês ancorado no porto de Miami.
![]() |
Deputados que querem suspender voos a Cuba não vão reprovar ações de quem pensa como eles, diz Lesnik |
O jornalista Max Lesnik foi alvo de 11 atentados que destruíram paulatinamente
as instalações de Réplica, a revista que
criou e se distinguia pela sua independência dos poderes econômicos da cidade. No
último atentado, a bomba não explodiu. Os investigadores encontraram as impressões
digitais do exilado Eduardo Arocena, um indivíduo conhecido pela polícia por sua
violência.
Arocena foi condenado em 1985 a prisão perpétua, por conspirar para cometer
assassinatos depois que os investigadores encontraram em sua casa um deposito clandestino
de armas de guerra.
Recrudescimento
Lesnik, que dirige a organização pró-cubana “Alianza Martiana”, teme que
o incêndio na agência de viagens possa ser o regresso aos velhos tempos de violência
em Miami. “Isto que aconteceu há duas semanas poderia ser o renascimento de uma
corrente raivosa, vinda do passado, porque a nova geração de cubanos não pensa como
aquela gente que fez de Miami a capital do terrorismo naquelas décadas”, afirmou.
Mas, ante esta possibilidade, o que mais o preocupa, é o silêncio que as
autoridades políticas e municipais mantiveram perante o incêndio da “Airline Brokers”.
Este silêncio “serve para demonstrar de novo a simpatia ou a covardia dos
funcionários públicos do Sul da Flórida, porque nenhum deles teve a valentia de
condenar publicamente este ato criminoso que mancha a imagem de toda a comunidade
de Miami”, afirmou o jornalista.
Lesnik recordou que todos os congressistas e senadores eleitos “apoiam o
cancelamento das viagens a Cuba”, pelo qual “não se pode esperar que condenem a
quem pensa como eles”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário