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Tomasso Debenedetti: “Gosto de
ser o campeão italiano da mentira.”
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Antonio Brasil, via Observatório
da Imprensa
“Já tentaram matar o Fidel com tiro,
veneno e emboscada mais de uma centena de vezes. Agora matam o comandante pelo Twitter.”
Esta declaração, em tom de raiva e
denúncia, foi proferida por um jornalista experiente, alguém que já viu quase tudo
na profissão e que pediu anonimato. O desabafo também resume os problemas enfrentados
pelo jornalismo dito “sério” diante dos novos desafios da era digital.
“Nós quase fomos à loucura aqui nas
últimas duas semanas por causa desse fdp”, disse o jornalista. “Eu conheço Cuba
o suficiente para saber que lá nada vaza. Vamos ter informação da morte de Fidel
Castro quando eles anunciarem, e nem um segundo antes. Mas quando eu digo isso ninguém
acredita. Preferem acreditar no Twitter.”
O jornalismo sério – aquele que ainda
verifica, checa, confirma, recheca e, o mais importante, que pensa nas implicações
ou consequências da divulgação de notícias importantes – pode estar morrendo.
Jornalista mentiroso
E um dos culpados pela morte do jornalismo
sério pode ser o jornalista italiano Tomasso Debenedetti. Semana passada, ele confirmou
ser o autor das mensagens falsas pelo Twitter sobre a morte do líder cubano, Fidel
Castro (ver
aqui).
Nascido em Roma em 1969, casado e
pai de dois filhos, professor de italiano e de história em uma escola pública de
Roma, Tomasso Debenedetti conhece bem as fragilidades e vulnerabilidades do jornalismo
tradicional. Afinal, ele foi, durante alguns meses, vaticanista do desaparecido
jornal L’Independente. Desde 2000 ele
conseguiu publicar cerca de 79 matérias, embora nem todas tenham sido verdadeiras.
Com contas falsas no Twitter, Debenedetti
conseguiu “anunciar” a morte do papa Bento 16, de Pedro Almodóvar e, agora, de Fidel
Castro.
Em entrevista
ao jornal espanhol El Pais
Debenedetti afirma: “Gosto de ser o campeão italiano da mentira. Creio que inventei
um gênero novo e espero poder publicar novas falsidades e a coleção toda em um livro.”
Além de anunciar as mortes de personalidades
públicas, ele também conseguiu publicar falsas entrevistas com Philip Roth, Gore
Vidal e Bento 16.
A lista dessas falsas entrevistas
do jornalista free-lancer italiano continua crescendo. Ele confessa que tudo foi
falso. Ou, mais precisamente, que foi um jogo. “Minha ideia era ser um jornalista
cultural sério e honrado, mas isso é impossível na Itália”, disse.
Debenedetti confia no poder das redes
sociais, na pressa generalizada da sociedade moderna e na ingenuidade do público
para divulgar e justificar seu jornalismo de notícias falsas:
“O Twitter funciona bem para as mortes”,
disse. “No Facebook você está limitado pelo acesso aos amigos, mas no Twitter você
pode ter certeza que as pessoas irão segui-lo e usá-lo como uma fonte em tempo real,
de informações sem checagem. A mídia social é a fonte de informação mais incontrolável
no mundo, mas a mídia [tradicional] acredita
nela por causa de sua necessidade de velocidade”, disse ele.
Atualmente, Debenedetti se junta a
uma nefasta galeria de jornalistas famosos e mentirosos que inclui nomes como Jason
Blair do New York Times, Stephen Glass
do New Republic, Janet Cooke do Washington Post e tantos outros.
Ou seja, é muito difícil fazer jornalismo
sério e ao mesmo tempo competir com as redes sociais como o Twitter, Facebook e
YouTube. Essas ferramentas digitais – que deveriam ser utilizadas somente como formas
de socialização e confraternização – se tornaram a principal e muitas vezes a única
fonte de notícias para parte da sociedade. E, o pior, para grande parte dos jovens.
Morte do jornalismo
Mas, apesar das tentativas de controle
e verificação nas redes sociais, Debenedetti também comprova que o falso tuitar
é uma indústria em crescimento. Principalmente tuitar utilizando contas falsas de
celebridades.
Mas para complicar ainda mais o cenário,
hoje também temos personalidades públicas – artistas ou apresentadores de telejornais,
por exemplo – que contratam jornalistas ou ghost
writers para escrever e divulgar seus próprios tuites. Não são tuites falsos,
mas também não são verdadeiros.
O pior é que muitos acreditam, compartilham
e divulgam essas falsas mensagens como verdade científica. Na era digital, assim
como em outras eras, é muito fácil enganar quem quer ser enganado.
Com suas breves e simples mensagens
falsas, Debenedetti consegue demonstrar a fragilidade e as vulnerabilidades de um
jornalismo em crise. Mas talvez, pela primeira vez, ele tenha anunciado uma morte
verdadeira: a morte do jornalismo sério.
E se você ainda quiser conhecer melhor
este “jornalista” da era digital, veja aqui a entrevista completa de Debenedetti
ao El País, divulgada em português
pelo site da Folha de S.Paulo.
Mas, tenha cuidado. Como Debenedetti
se declara um grande mentiroso, esta entrevista também pode ser falsa!
Antonio Brasil é jornalista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina.
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