
Marco Aurélio Weissheimer, via Carta
Maior
Cuba e Portugal vivem hoje dois
tipos de bloqueios distintos que, se não forem vencidos, podem mergulhar esses
países em uma grave situação. Após obter, com a Revolução Cubana, grandes
avanços nas áreas da saúde e da educação, Cuba precisa superar o desafio de
criar um processo de geração e distribuição de renda para o conjunto de sua
população. Já Portugal está mergulhada numa grave crise de endividamento que
bloqueia o desenvolvimento do país e está desmontando o Estado de bem-estar
social construído a partir da Revolução dos Cravos. A análise é do governador
do Rio Grande do Sul, Tarso Genro que, em entrevista à Carta Maior, fala sobre
o que viu nesses dois países durante recente missão oficial do governo gaúcho.
Para Tarso, a situação de Portugal é mais grave que a de Cuba: “Creio que é
mais fácil Cuba encaminhar suas reformas pela unidade política que sustenta
essa agenda e pela existência de uma rede de proteção social. Já Portugal não
possui tal unidade política, está desmontando sua rede de proteção social e
necessita de bilhões para sair da situação em que se encontra”, diz o
governador.
CM: Qual paralelo entre Cuba e Portugal que o senhor percebeu nesta
recente viagem aos dois países?
Tarso Genro: Cuba e Portugal vivem hoje processos de transformação
que enfrentam bloqueios de natureza distinta. Trata-se de dois tipos diferentes
de bloqueios que, se não forem vencidos, podem colocar duas grandes
experiências [a Revolução Cubana e a
Revolução dos Cravos] em xeque. Cuba precisa superar o desafio de criar um
processo de geração e distribuição de renda para o conjunto de sua população. A
Revolução Cubana obteve resultados extraordinários nas áreas da saúde e da
educação, criando um sistema altamente eficiente que praticamente extinguiu o
analfabetismo e garantiu uma das menores taxas de mortalidade infantil do
mundo. O problema do país é como gerar agora um processo de geração de riqueza
interna, criando um mercado de bens de consumo, de alimentos e outros produtos
básicos, cuja ausência hoje trava o desenvolvimento do país.
CM: E como Cuba pode fazer isso, lembrando que ainda está submetida a
um bloqueio econômico por parte dos Estados Unidos?
Tarso Genro: Em primeiro lugar, trabalhando para desenvolver um
mercado interno, incentivando micro e pequenos empresários e cooperativas e
criando uma dinâmica econômica interna. O governo cubano já tomou uma medida
nesta direção que foi a distribuição de 100 mil propriedades rurais. Em segundo
lugar, precisa implementar um processo industrial especialmente no setor
agroalimentar. Cuba sofre até hoje com um legado negativo do período soviético.
Na divisão interna do trabalho adotada no campo socialista soviético, foi
delegado a Cuba apenas o papel de produzir açúcar, sem propiciar condições para
que o país desenvolvesse uma indústria e uma economia diversificada. Isso deu
origem a um socialismo meramente distributivo, sem soberania alimentar. O
governo cubano está fazendo agora um movimento muito forte para dentro do país
com o objetivo de começar a reverter esse quadro. E faz também um movimento
para fora, estreitando relações e parcerias com países como o Brasil e a China.
Cuba obteve avanços extraordinários em algumas áreas, como referi antes, mas a
vida quotidiana do povo cubano é difícil, com alimentos racionados e um
transporte coletivo precário.
CM: E Portugal, qual é o tipo de bloqueio que esse país vem sofrendo e
qual relação pode ser feito com o caso cubano?
Tarso Genro: A Revolução dos Cravos, que acabou com a ditadura
salazarista, gerou um Estado de bem-estar social, mas criou ao mesmo tempo uma
armadilha que levou Portugal a um alto grau de endividamento, alimentando a
crise que está levando o país agora a uma situação desesperadora. O protesto de
10 mil militares das Forças Armadas que saíram às ruas no sábado, dia 10, é um
indicador do grau de gravidade da situação política, social e econômica. Cabe
refletir sobre como Portugal chegou a essa situação. A social democracia
europeia gerou em países como Portugal, Espanha e Grécia um processo de
distribuição de renda forte para baixo, mas sem criar, junto com ele, um
sistema fiscal equilibrado e justo, capaz de sustentar esse Estado de bem-estar
social no longo prazo. Em vez disso, criou esse Estado de bem-estar social na
base do endividamento, como ocorreu em Portugal. Agora, a conta está sendo
cobrada pelo setor financeiro e seus agentes, processo que está desmontando a
rede de proteção social do país, baixando salários e aposentadorias. Os
recursos oriundos desses cortes estão sendo destinados ao refinanciamento dos
bancos, do sistema bancário internacional e não dos Estados. Assim, a social
democracia sem fundos criou uma expectativa e um padrão que não pode manter.
Almocei ontem com um professor que ganhava cerca de 5 mil de euros de
aposentadoria e, agora, esse valor foi praticamente cortado pela metade.
Portugal é hoje um país ocupado pela troika [FMI, Banco Central Europeu, Comissão Europeia] e pelo sistema
financeiro. As consequências são dramáticas. Algumas universidades vão fechar.
O reitor da Universidade de Coimbra ameaçou fechar a instituição por causa do
corte de recursos.
CM: Considerando o paralelo feito no início dessa conversa, qual é, em sua
avaliação, a situação mais difícil, a de Cuba ou a de Portugal?
Tarso Genro: Cuba, como referi, enfrenta o legado do bloqueio econômico e da divisão
internacional do trabalho do período soviético, enquanto Portugal está
bloqueado pelas políticas de austeridade. Creio que é mais fácil Cuba
encaminhar suas reformas pela unidade política que sustenta essa agenda e pela
existência de uma rede de proteção social. Já Portugal não possui tal unidade
política, está desmontando sua rede de proteção social e necessita de bilhões
para sair da situação em que se encontra. O desafio de Cuba é aumentar a renda
da população. Em Portugal, é preciso enfrentar uma dívida brutal que está
sufocando a sociedade, o Estado e suas instituições. A esquerda portuguesa
enfrenta um grande problema que é a ausência de uma plataforma que a unifique.
O Partido Socialista, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda não têm uma
agenda de unidade. Mário Soares acha que se não houver uma reação forte do
governo pode haver uma deterioração do Estado. Se a troika continuar ditando a
política essa situação pode explodir.
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