Davis Sena Filho, via blog Palavra Livre
O bloqueio econômico, financeiro e comercial a Cuba, imposto pelos Estados
Unidos em 1962, no governo do democrata John F. Kennedy, é um dos bloqueios mais
longos que se tem notícia no mundo contemporâneo, além de ser considerado cruel
pelos organismos internacionais, a exemplo da Assembleia Geral da ONU, que aprovou,
em 13 de novembro de 2012, a 21ª resolução de condenação ao bloqueio econômico a
Cuba. Apenas os Estados Unidos, Israel e Palau ficaram a favor do bloqueio. No dia
7 de fevereiro deste ano, o bloqueio completou 51 anos, ou seja, mais de meio século,
e foi transformado em lei em 1992 e 1995. O ex-presidente dos EUA, Billy Clinton,
também democrata, ampliou o bloqueio comercial ao pequeno país caribenho em 1999,
o que acarretou a proibição de filiais estrangeiras de empresas do país yankee de
comercializar com Cuba valores que ultrapassem a US$700 milhões, o que é um absurdo
e uma gota no oceano em termos de comércio exterior.
A Assembleia das Nações Unidas rejeita, reiteradamente, a política isolacionista
promovida pelo governo estadunidense e seu Departamento de Estado contra Cuba. Tal
departamento, cuja doutrina de política externa é o porrete, transformou-se em alvo
de críticas internas contundentes por parte de entidades estadunidenses, contrárias
ao bloqueio, ao argumentar que não existem normas no direito internacional que justifiquem
um bloqueio tão radical em tempo de paz, de globalização, além do fim da Guerra
Fria, que ocorreu, simbolicamente, com a queda do Muro de Berlim, em 1989.
Cuba enfrenta mais de cinco décadas de guerra econômica. Para se ter uma
ideia do que é isto, ao longo de 51 anos a Ilha teve prejuízos que chegam a mais
de US$1 trilhão, valor este elevado para um país tão pequeno. É algo incompreensível,
com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos ainda não mudarem sua política externa
para com cubanos. E sabem por que essa realidade acontece? Respondo: Cuba atual
não é importante economicamente, mas o é politicamente e ideologicamente, com forte
conotação simbólica, que remonta a guerrilha de Fidel Castro e Che Guevara, ícones
internacionais e que até hoje povoam o imaginário de diversas gerações — as mais
jovens e as mais antigas. Combater e sufocar Cuba é essencial para os grandes capitalistas
e seus governos, porque acreditam que dessa forma “matam” o sonho do socialismo.
As contradições da política estadunidense no que tange a Cuba são questionadas
pela comunidade internacional. Lembro que, ao tempo em que Cuba é boicotada por
um tempo de 51 anos, os Estados Unidos se constituíram nos principais parceiros
comerciais da China comunista, além de retomarem o diálogo com a Coreia do Norte
e o Vietnã, seus arqui-inimigos do passado e do presente, com o propósito de criar
uma nova fronteira de negócios com os países que, juntamente com o Laos e o Camboja,
formam a Indochina. No momento, a Coreia do Norte realiza experimentos atômicos,
mas o diálogo com os EUA e a Coreia do Sul prosseguem. Somente indivíduos ingênuos
ou jornalistas a serviço da mídia imperialista e de direita brasileira acreditariam
que os EUA, no momento, abririam mão de negociações e optariam por uma invasão militar.
É necessário salientar e relembrar também que
representantes da Coreia do Norte e dos Estados Unidos se reuniram no ano passado
em Genebra, na Suíça, com a intenção de desbloquear as conversações sobre o desarmamento
nuclear dos coreanos, considerados à revelia pelos yankees como um dos países formadores
do “eixo do mal”, juntamente com o Irã e o invadido Iraque, que desde 2003 está
ocupado pelas forças militares dos EUA, que têm interesses geopolíticos na região,
além de controlar o petróleo e uma nação como a do Iraque cujo povo tem 5 mil anos
de história, pois eles são a própria Mesopotâmia.
Se a questão fundamental fosse ideológica, os estadunidenses não negociariam
com a China, que é comunista como Cuba e muitas vezes contrária, por exemplo, aos
interesses dos estadunidenses no Conselho de Segurança da ONU. Negócios são apenas
negócios. Ou como gostam nossos complexados e colonizados tupiniquins: business to business (B2B). Os Estados Unidos,
mesmo na Guerra Fria e em alta escala, sempre negociaram com a extinta União Soviética,
e nem por isso o mundo acabou. O bloqueio comercial a Cuba não tem mais sentido,
tanto é verdade que muitos países, inclusive o Brasil, negociam comercialmente com
o país caribenho e pedem o fim do bloqueio nos fóruns internacionais.
Além disso, considero o Brasil, que tem uma das diplomacias mais avançadas
do mundo, um grande mediador. Com o fortalecimento do Mercosul com a entrada definitiva
da Venezuela e o reconhecimento por parte dos grandes países ocidentais de que o
Brasil é o principal país da América Latina, o governo federal, por meio do Ministério
das Relações Exteriores, deveria se empenhar de forma mais assertiva junto à OEA,
à ONU, aos blocos econômicos, como a Comunidade Europeia, para que os Estados Unidos
façam uma revisão de suas políticas públicas e diplomáticas em relação a Cuba, país
independente e autônomo, que se recusa a ser tutelado por quem quer que seja, como
bem demonstra a história cubana desde 1959, quando os revolucionários, à frente
do movimento de libertação Fidel Castro e Che Guevara, assumiram o poder político
e militar na Ilha.
Considero fundamental que o governo federal recrudesça e procure efetivar
a inserção de Cuba no mercado econômico e financeiro internacional, por intermédio
de negociações do Itamaraty na OEA, na ONU, na OMC, no Mercosul e nos bancos internacionais,
como o Banco Mundial (Bird), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o
Fundo Monetário Internacional (FMI). Cuba tem de ser integrada urgentemente, bem
como a Palestina, à comunidade internacional, e com celeridade. Nenhum país deve
ser tratado como se fosse de segunda categoria, porque povo algum é de segunda categoria.
A humanidade pode até diferir na cor da pele e na textura dos cabelos, mas ela é
uma só, única e indivisível, porque vivemos em um planeta do qual somos filhos,
e, quando da nossa morte, voltamos para o útero dele em forma de pó. Existem, sim,
países poderosos, com força econômica e bélica incomensurável e que se aproveitam
de sua posição para impor sanções e bloqueios, além de, se puderem, promover invasões
militares.
Contudo, faço uma ressalva: essas organizações financeiras têm de, urgentemente,
reformular seus programas de financiamento, voltando-se mais para o desenvolvimento
social dos países subdesenvolvidos e endividados e deixar em segundo plano as estratégias
que visam apenas o lucro, fato este que ocorreu durante décadas com o Brasil, e
agora, quando a Europa e os EUA estão em crise, seus povos se recusam a apertar
seus cintos e protestam nas ruas contra a falta de emprego, de renda e de esperança
proporcionados pela crise de 2008, que até hoje perdura e que tende a piorar, segundo
os ministros de Fazenda da zona do euro e os analistas vinculados ao mercado financeiro
e ao comércio e à indústria.
A verdade é que o ex-presidente Lula tem razão. Ele criticou o FMI em evento
nos EUA realizado em 2011 quando recebeu prêmio de reconhecimento pelo seu governo
ter combatido a fome e a miséria e inserido milhares de famílias brasileiras no
mercado de consumo. O político trabalhista disse o seguinte: “O FMI tinha solução
para tudo quando a crise era na Bolívia, no Brasil, no México. Quando a crise chega
aos países ricos o FMI se cala, entrou num silêncio profundo. O BID, então, não
fala mais nada” — criticou Lula, alto e em bom som para quem quisesse ouvir, inclusive
os neoliberais brasileiros e a imprensa comercial e privada que insistem em defender
o indefensável, a justificar o injustificável e a dissimular o fracasso retumbante
de governantes atrelados ao Consenso de Washington de 1989 e vazios de sensibilidade
social, como o tucano e ex-presidente neoliberal Fernando Henrique Cardoso, que
foi três vezes ao FMI, de joelhos e com o pires na mão, o que fez milhões de cidadãos
brasileiros se sentirem humilhados.
Lula afirmou ainda que os países desenvolvidos deveriam seguir os passos
do Brasil, tê-lo como exemplo quando se trata de combater a crise mundial. Para
ele, os mais pobres são os que têm de ter prioridade, porque não há nada mais barato
do que cuidar deles, pois duro e difícil é cuidar dos ricos. Para o ex-mandatário
trabalhista, distribuir renda é a solução para que as pessoas pobres possam consumir
e, consequentemente, fazer a economia girar, o que propiciará a criação de empregos
e renda para os mais ricos, que poderão dessa forma contratar um número maior de
trabalhadores e com isso aumentar a força de trabalho e a riqueza dos países, das
sociedades. É o chamado ciclo virtuoso da economia.
Por sua vez, a presidenta Dilma Rousseff disse quando esteve na Turquia
que “Desejamos à Europa uma saída rápida da crise por meio da busca por maior estabilidade
macroeconômica, mas também e, sobretudo, assegurando a retomada do crescimento,
da proteção ao emprego e dos segmentos mais vulneráveis das diferentes populações”.
A resumir: Lula e Dilma pensam de maneira igual, pois são executores do mesmo programa
de governo e projeto de País. Eles são políticos trabalhistas, nacionalistas e acreditam
no Brasil e em sua maior riqueza que é o seu povo. Lula e Dilma seguem, fundamentalmente,
os princípios da escola política e econômica estruturalista, progressista, cuja
origem remonta a Getúlio Vargas e passa pelo grande pensador e economista Celso
Furtado.
Os neoliberais nunca compreenderam isso, não porque são ignorantes ou de
parcos conhecimentos sobre as questões e as realidades brasileiras, como se define
pessoas relativamente “espertas” de forma educada. Governaram para poucos porque
usaram de má-fé. E assim foi feito para, propositalmente, cuidarem dos ricos e governarem
para 30% da população do País, como fez FHC — o Neoliberal — em seus dois governos,
controlados pelo PSDB e com o apoio de partidos como DEM, o pior partido do mundo,
pois tataraneto que é da UDN. Quanto ao PPS do desmoralizado Roberto Freire, considero-o
apenas um partido de aluguel e que se esqueceu de sua memória. Lamentável.
Voltemos a Cuba. A crise internacional é questionada fortemente por instituições
nacionais de diversos países, bem como por ONGs e outros movimentos sociais que
criticam, de forma ácida e até mesmo violenta, a atuação dos organismos financeiros
internacionais perante aqueles que deles dependem ou que devem a eles. Se países
inseridos em um contexto mais favorável têm enfrentado graves problemas no que concerne
à inserção no mercado internacional, o que diríamos de Cuba que há mais de cinco
décadas enfrenta um bloqueio econômico dos mais desumanos e cruéis que se tem notícia
no mundo contemporâneo? Por isso, como cidadão e jornalista sou favorável ao fim
do bloqueio imposto pelos Estados Unidos a Cuba.
A Guerra Fria, repito, acabou. O mundo se tornou globalizado. Globalização,
como o nome indica, significa interação entre os países, que passaram a se comunicar
e a realizar negócios em uma frequência e grandeza nunca vistas antes pela humanidade.
É surreal, em tempos de globalização, Cuba ficar à margem do processo de integração
mundial por questões muito mais ideologicamente e politicamente mesquinhas do que
econômicas. Os Estados Unidos veem Cuba como um problema pessoal. Dá a impressão
que os sucessivos governos estadunidenses teriam perdido um estado de sua federação,
à força, o que não retrata a realidade. Os cubanos seguiram seus destinos de povo
livre e independente e que tem o direito de fazer parte da comunidade internacional
tal qual a qualquer outro povo que tem representação na ONU e em outros fóruns internacionais.
Cuba não é o Havaí e nem Porto Rico, que merecem, sem sombra de dúvida, todo meu
respeito e consideração.
Cuba é soberana. E o Brasil, como um País tradicionalmente moderado, diplomaticamente
competente, de vocação mediadora, deve sentar à mesa de negociações, com o propósito
de inserir e incluir Cuba no contexto internacional. A Carta da ONU considera direito
inalienável de todo povo e de toda nação serem livres, bem como participar dos processos
de interação e integração entre os povos. O bloqueio econômico ao país do Caribe
não condiz com as realidades das Américas e muito menos com a democracia, tão defendida
pelos Estados Unidos ao tempo que por eles negada ao povo cubano, bem como a muitos
outros povos. O bloqueio a Cuba é ideológico, geopolítico, insensato, cruel e injustificado.
Será que a blogueira de direita,
a cubana Yoani Sanchez, contratada para o cargo de diretora da ultraconservadora
Associação Interamericana de Imprensa (SIP), sabe dessas realidades relativas a
Cuba? Com certeza, sim. E daí? O que importa a tipo de gente como a pseudojornalista
é atender aos interesses do governo estadunidense, bem como o do establishment.
As questões cubanas são muito maiores e mais complexas do que as palavras encomendadas
e direcionadas de Yoani, que, visivelmente, esta atrelada aos patrões do sistema
midiático privado e hegemônico das três Américas. A independência e a autodeterminação
cubana, igualmente à brasileira e a de todos os povos da América Latina e do Caribe,
não são negociáveis. Cuba é independente. É isso aí.
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