A vacina contra a meningite tipo B permitiu a primeira abertura no bloqueio
norte-americano, que, desde os anos de 1960, proíbe todo e qualquer comércio de empresas estadunidenses
com a Ilha, onde há cerca de 1.800 cientistas para cada mil habitantes.
Patrícia Grogg, via Terramérica
e lido no Solidários
Ao começar o século 21, Cuba destaca-se mundialmente por seu notável
progresso em tecnologias de saúde, a cujo desenvolvimento dedicou, enfrentando
dificuldades econômicas, importantes recursos materiais e humanos. Entre as
múltiplas descobertas dos cientistas da Ilha destaca-se um, não só por seu
impacto social, mas também por seu significado político: a vacina contra a
mortal meningite B. Única no mundo, a vacina denominada VA-Mengoc-BC abriu o
caminho para o primeiro caso de transferência de tecnologia de Cuba para os Estados
Unidos.
A empresa anglo-norte-americana Smith Kline Beecham Pharmaceuticals
obteve, em junho de 1999, autorização do Departamento do Tesouro dos Estados
Unidos para assinar com o Instituto Finlay, de Havana, um convênio com o
objetivo de introduzir a vacina no mercado europeu. Ainda está em marcha o
complexo processo que permitirá a venda na Europa e, posteriormente, nos
Estados Unidos, do antídoto contra a meningite B, uma doença que não respeita
classes sociais, nem o maior ou menor grau de desenvolvimento. Desde sua
assinatura, o contrato permitiu a primeira abertura no bloqueio
norte-americano, que, desde os anos de 1960, proíbe todo comércio de empresas
desse país com Cuba.
“Eles [os
EUA] não têm essa vacina e dela precisam para seu sistema de saúde”, disse
ao Terramérica Pedro López Saura, diretor de Regulamentos e Ensaios Clínicos do
Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB). Entre os produtos do
Finlay, especializado na pesquisa e produção de vacinas humanas, estão a antitetânica
Vax-TET e a Dupla Antidifetérica-Tetânica. O diretor de Assistência
Científico-Técnica Aplicada do Instituto, Franklin Sotolongo, mencionou entre
os projetos em curso as vacinas contra a leptospirose e contra o cólera, um
produto para prevenir a meningite BC/Hepatite B e a vacina tríplice
Tétano-Difteria-Pertussis melhorada.
Boa parte do êxito de Cuba no campo da pesquisa em saúde se deve a uma
ampla infraestrutura científica e tecnológica. Existem em Cuba cerca de 1.800
cientistas e engenheiros para cada mil habitantes e 1,2% do Produto Interno
Bruto destina-se a gastos no setor. O restante é aportado pela estreita
coordenação entre os centros que integram o polo científico do oeste de Havana,
sendo o mais antigo deles o CIGB, que caminha na vanguarda da engenharia
genética e da biotecnologia modernas. “Uma das características da ciência
cubana, e da biotecnologia em particular, é a cooperação entre os centros de
pesquisa e produção”, disse Saura.
O CIGB, que em seu início dedicou-se à produção em pequena escala de
interferones – incorporados ao arsenal terapêutico de enfermidades virais,
hepatite e alguns tipos de câncer –, atualmente elabora e comercializa uma
ampla gama de produtos. De seus laboratórios surgiu a estreptoquinasa
recombinante, registrada como Heberkinasa, de comprovada eficácia em doenças
trombóticas, especialmente infarto agudo do miocárdio. Além disso, seus
cientistas criaram a vacina recombinante contra a hepatite B (Heberbiovac HB),
tão importante como a VA-Mengoc-BC por seu impacto social, pois ambas fazem
parte do programa que protege a infância cubana contra 13 doenças.
O CIGB agora trabalha em uma vacina terapêutica contra a aids, cujos
testes clínicos estão anunciados para acontecerem no início de 2002, e continua
as pesquisas em busca do antídoto imunizante contra essa doença. “As variantes
terapêuticas, que estimulam o sistema imune do paciente para que se defenda
contra o mal, ficam prontas antes”, assegurou Saura. Ele também indicou que se
tenta obter uma vacina contra a meningite tipo C. No campo agropecuário, uma
vacina recombinante contra a carrapato (Gavac) permitiu ao país economizar US$4
milhões desde que, em 1995, começou a ser aplicada no gado bovino, em
substituição aos acaricidas químicos. O antídoto obtido por pesquisadores do
CIGB cria um anticorpo que reage e destrói uma das proteínas do carrapato
quando este suga o sangue do animal.
Por sua vez, o Centro de Imunologia Molecular, construído no início dos
anos de 1990, especializa-se no desenvolvimento da imunologia com base na
produção de anticorpos monoclonais e outras moléculas do sistema imunológico,
fundamentalmente para o tratamento do câncer e de doenças autoimunes. Entre os
medicamentos já registrados por esse centro figuram o anticorpo monoclonal Ior
t3, indicado na profilaxia da rejeição do transplante renal, e o Ior Epocim (à
base de ritropoyetina humana recombinante alfa), para o tratamento de anemia
associada com insuficiência renal crônica. O Ior t3 foi seguido de outros
anticorpos monoclonais efetivos em casos de psoríase e artrite reumatoide, até
que estudos posteriores derivaram para versões que podem ser usadas no combate
contra tumores de mama e pescoço, entre outros.
Um projeto de vacina terapêutica contra o câncer poderia seguir o
caminho preparado pela antimeningocócica, se a empresa mista cubano-canadense
CIMYM conseguir interessar empresas multinacionais farmacêuticas para o
desenvolvimento do produto.
Patrícia Grogg é autora é corresponde da
IPS.
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