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Manuel, primeiro à esquerda, viveu dois anos
na capital paulista.
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Estudantes, agricultores, artistas. Cubanos falam de suas perspectivas em relação ao processo de abertura econômica sob o marco do socialismo.
Texto e fotos Eduardo Sales de Lima, enviado a Havana, Matanzas, Playa Girón
e Varadero (Cuba), via Brasil
de Fato
Os cubanos vivem as maiores mudanças
no país desde a vitória da Revolução comandada por Fidel Castro em 1959. Todo o
processo de abertura econômica está funcionando como uma prova à certeza socialista
do povo cubano e à capacidade de controle do governo.
Em abril de 2011, para reverter o
processo de estagnação econômica da Ilha, os dirigentes do Partido Comunista Cubano
(PCC) realizaram o 6º Congresso, com o objetivo de “atualizar” o modelo. Por sinal,
boa parte das decisões tomadas levou em consideração a opinião da população por
meio dos conselhos populares.
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Havana se destaca pelo estilo art déco. |
Além do bloqueio econômico estadunidense,
que permaneceu na gestão de Barack Obama, Cuba ainda sente os efeitos da crise econômica
mundial. Para vencer a estagnação econômica e diminuir o caráter paternalista do
Estado, o governo cubano vem enxugando a burocracia estatal (demitindo de forma
paulatina funcionários) e emitindo milhares de licenças para ampliar o trabalho
privado e cooperativista, como pequenos negócios como salões de cabeleireiros, restaurantes
e serviços de táxi.
“O turismo não estatal já está presente
nos restaurantes privados”, lembra o ministro do Turismo de Cuba, Manuel Marrero,
destacando um dos setores que tende a ganhar mais impulso com as mudanças econômicas.
O embaixador brasileiro em Cuba, José
Felício Martín, está no país há dois anos e meio e afirma testemunhar uma pujança
econômica na Ilha, com a abertura de muitos pequenos negócios. Como exemplo, ele
cita que antes do processo de atualização do modelo, todo o material de construção
era controlado pelo governo. Isso porque, agora, a propriedade privada urbana está
liberada para ser comercializada, enquanto a rural ainda não.
Em relação ao abastecimento de produtos
nos supermercados, as mudanças também são sensíveis. “Antes, apenas determinados
produtos ocupavam prateleiras inteiras. Hoje, pode-se notar uma diversidade de produtos,
vindos sobretudo do Brasil, México e Espanha”, reforça.
Turistas
A convite do Ministério do Turismo
de Cuba, a reportagem do Brasil de Fato
visitou quatro cidades cubanas: Havana, Varadero, Matanzas e Playa Girón.
Repleta de construções ao estilo art déco do início do século, as ruas em
Havana se destacam pela limpeza. À noite, embora sejam mal-iluminadas, as famílias
sentam-se nas calçadas e violões remetem ao modo de vida das pequenas cidades do
interior do Brasil. Os cubanos gostam de falar, com orgulho, do baixíssimo índice
de criminalidade vigente no país.
Caminhando pelo centro histórico da
capital cubana, conhecido como Havana Velha, em pleno calor de 35º de uma segunda-feira
de maio, Manuel e Joandry, que trabalham com charretes, chamam a atenção.
Manuel, quando nota a presença de
brasileiros, não se faz de rogado e passa a cantar “Manuel”, do cantor Ed Motta.
Ele viveu dois anos em São Paulo (SP), no início dos anos 2000. “O Brasil é um país
capitalista, irmão! Tem gente com muito dinheiro e outros com pouco. Lá há muitas
drogas. Aqui existe muito controle, as leis são muito mais pesadas”, afirma.
Cuba tem salários relativamente baixos,
porém, as garantias e subsídios que o Estado dá aos cidadãos colocam o debate em
outro patamar. Manuel lembra que a maior parte das pessoas que conhece vive com
muito pouco. Somente quem trabalha com turismo consegue ganhar mais que a média
da população.
“Há pessoas que se matam no escritório
para poder comprar um par de sapatos. Com os turistas sempre é possível ganhar mais
20, 30 pesos a mais, seja no táxi ou na charrete.”
Todos os cubanos, empregados ou não,
têm acesso aos produtos da cesta básica. O que se ouviu com frequência de guias
turísticos, todos funcionários de agências estatais, é que alguns pedintes, a maior
parte crianças e velhos, agem assim não para suprir suas necessidades básicas, mas
para adquirir outros bens, como o par de sapatos citado por Manuel.
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O agricultor e vendedor Pedro, 67 anos. |
Ainda em Havana, o taxista Geovani
critica o paternalismo estatal. Primeiro, ele diz que “90% das pessoas não trabalham
em Havana”, mas se corrige, afirmando que boa parte dos cidadãos começa sua jornada
de trabalho somente após as 10 horas da manhã. Contudo, ele elogia as mudanças econômicas
e as consequências diretas em seu trabalho.
“Agora, além de transportar cubanos,
posso transportar turistas e até mesmo abrigá-los, cobrando-lhes aluguel”, afirma
Geovani.
“Olha pra mim!”
Na cidade Matanzas, a 105 quilômetros
de Havana, o agricultor e vendedor Pedro, 67, revelou ao Brasil de Fato estar agradecido ao governo revolucionário por ajudá-lo,
há décadas, em sua produção de tomate, banana e mandioca. Ele cultiva os alimentos
em seis hectares.
Pedro cita, contudo, que desde o início
dos anos de 1990, com o fim da ex-URSS, os agricultores tiveram menos acesso a máquinas,
o que prejudicou a produção e forçou muitos camponeses a residirem nos centros urbanos.
“Meus filhos tiveram que ir morar na cidade; eles são torneiros mecânicos”, revela.
Em Cuba, somente metade da área agricultável
é utilizada e pelo menos 70% dos alimentos consumidos no país são importados. Ainda
em Matanzas, do outro lado da rua, pedalando numa bicicleta, estava o indignado
Roberto, 57.
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Miguel se emociona em lembrar da batalha da Baía dos Porcos. |
“Demoro demais para haver mudanças.
Olha pra mim! Minha irmã também é velha, que oportunidades tivemos?”, questionava.
Roberto trabalhou por muito anos numa
fábrica de pisos de cerâmica, mas a partir de 1991 decidiu trabalhar por conta própria,
fazendo bicos. Ressentido com o regime, que segundo ele não lhe deu condições de
ter uma vida melhor, afirma que “há muito tempo os negócios teriam de ser assim,
pagando impostos, como ocorre em outros países”.
Da cidade Matanzas à Playa Girón,
ao sul do Província de Matanzas. Diferentemente de Roberto, Miguel Pérez, 60, está
otimista e também se diz agradecido à Revolução. Assim como o taxista Geovani, ele
comemora a permissão de receber turistas em sua casa, sendo apenas necessário informar
ao setor de imigração. “E isso tem aumentado a renda da população”, conta.
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A paradisíaca Varadero atrai principalmente europeus e canadenses. |
Miguel trabalha como vigia no Museu
Girón. Tinha apenas 8 anos de idade quando ocorreu a batalha da Baía dos Porcos
(tentativa frustrada de invasão do sul de Cuba por forças de exilados cubanos anticastristas
capitaneada pelos Estados Unidos).
Miguel se emociona ao lembrar a batalha
da Baía dos Porcos, em 1961, e agradece a coragem que tiveram seus heróis. “Graças
à Revolução e a essas pessoas, tivemos as condições de viver bem, com boa saúde
e educação para nossas famílias.”
O vigia fala, com orgulho, de ter
uma filha enfermeira. Na época, ele e sua família cultivavam cana-de-açúcar, arroz
e feijão, em Sancti Spíritus, a 200 quilômetros de Girón. Compreende-se, daí, sua
pele curtida pelo sol. Para ele, como o “pouco” que ganha de salário, ainda é difícil
ter um celular, mas gostaria de tê-lo para poder se comunicar com a família.
“Não me afetou.”
Enquanto a reportagem do Brasil de Fato passava na paradisíaca Varadero,
pôde conhecer Antônio Calderón. Ele é representante em Cuba de uma empresa siderúrgica
espanhola chamada Plecosan. Como boa parte dos cubanos, possui uma retórica notável.
Casado com uma mulher de cerca de 30 anos (ele tem 62), adepta da cultura iorubá,
brincava, dizendo que ela não é sua filha. “Como os brasileiros, os cubanos prezam
muito a cultura iorubá.”
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O entregador do Granma, Alfredo, brada com fervor: “Viva el comandante Fidel!” |
Esse foi o primeiro assunto que lançou
mão para se aproximar da reportagem. Apesar de gozar de uma vida com acesso a bens
de luxo e conforto, afirma ser totalmente a favor do governo cubano. Mesmo trabalhando
para uma empresa espanhola, não tem do que se queixar em relação aos negócios da
siderúrgica em Cuba. “A crise econômica não afetou meu trabalho”, conta. O país
busca retomar e ampliar a exportação de níquel e tabaco.
Amor à humanidade
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A cantora Flor defende a cubanía, ou cubanidade, no famoso Havana Club. |
Não é incomum presenciar cenas que
denotam o orgulho do povo. De volta a Havana, Alfredo, um senhor de quase 70 anos
se aproxima da reportagem bradando palavras de ordem como “Viva el Comandante Fidel”
e “Pátria o Muerte”. Ele entrega o Granma,
periódico oficial do governo.
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Arledes e Mailin querem ajudar as pessoas e seguir a Revolução. |
A cantora Flor, que se apresenta com
seu grupo no Havana Club, enfatiza que o mais importante é que a cubanía, o amor à pátria, nunca saia dos
corações dos cubanos. “As mudanças político-econômicas, sobretudo para nós, artistas,
têm sido muito positivas”, afirma.
Seria cubanía sinônimo de solidariedade? Na praça central da cidade de Matanzas,
Arledes, Mailin, Gieji e Aelana, todas com 16 anos, aproveitam a hora do almoço
no colégio para conversar. Mailin, quando questionada de que forma os jovens podem
auxiliar na continuação da Revolução, lembra que basta que os jovens que têm a mesma
faixa etária dela tenham o sentimento de solidariedade. “Penso em fazer faculdade
porque quero ajudar”, reforça.
Entram na escola às 9 horas da manhã,
têm duas horas de almoço e permanecem até as 16 horas. Além das aulas normais, praticam
esportes, música e preparação militar. Uma vez por semana ou a cada 15 dias, os
estudantes trocam as salas de aula por idas aos espaços históricos, como praças
ou museus.
Todas as quatro meninas fazem questão
de dizer que gostam muito de ir a festas e teatro. Aliás, como conta Betsy Olivares
Bitencourt, guia de turismo desde 1988 em Cuba, o acesso à cultura não é caro. Segundo
ela, desde cedo os cubanos são estimulados a participar, como artistas ou plateia,
de encontros de dança e de teatro.
Também questionado como se faz para
manter a Revolução viva nos corações cubanos, o ministro do Turismo de Cuba, Manuel
Marrero, reforça a ideia de que “a pátria é a humanidade”.
“Nosso processo revolucionário,
entre muitas coisas, tem-se sustentado pela solidariedade e pelo internacionalismo,
e sempre defendemos a ideia de que Cuba compartilha não o que lhe sobra, mas o que
possui, e assim será”, atesta.
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O ministro do Turismo de Cuba, Manuel Marrero. |
Cuba quer atrair brasileiros
Há um processo de abertura que também
se passa no turismo cubano. O setor do turismo responde por 20% do PIB cubano. Como
comparação, Cuba (de 11 milhões de habitantes) foi visitada, ano passado, por 2,8
milhões de turistas; e o Brasil recebeu 5 milhões.
De acordo com o que disse o ministro
do Turismo de Cuba, Manuel Marrero, por ocasião da 33ª Feira Internacional de Turismo
de Cuba (FitCuba), entre os lineamentos aprovados pela nova política econômica,
existem 14 pontos voltados ao turismo que, segundo ele, permitirão impulsionar o
setor.
Desenvolver algumas áreas, como a
tecnologia, é muito difícil tendo em vista o bloqueio dos Estados Unidos, mas, para
Marrero, é necessário que o próprio país desenvolva novas possibilidades a partir
da própria indústria cubana e do Ministério de Comunicação, impulsionando redes
wi-fi nos hotéis e divulgando o turismo em Cuba por meio de redes sociais.
No ano passado foram inaugurados oito
hotéis no país. Houve 16 mil turistas brasileiros. Questionado de que forma o Brasil
pode contribuir economicamente com Cuba, Marrero foi enfático: “Como o Brasil pode
nos ajudar? Nos mandando turistas!”
Colaboraram: Ana Gusmão, Bruno Pilon, Freddy Charlson, Suzanne Durães e Vanessa
Galassi.
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